Noticia de Quinta-feira, 15 de setembro de 2016
Pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso suspendeu o
julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários (REs) 566471 e 657718,
analisados pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) na sessão
desta quinta-feira (15). Os recursos, que tiveram repercussão geral
reconhecida, tratam do fornecimento de remédios de alto custo não
disponíveis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) e de medicamentos
não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O único voto até o momento foi o do relator, ministro Marco
Aurélio (íntegra abaixo), que se manifestou no sentido de negar
provimento aos dois recursos, por entender que nos casos de remédios de
alto custo não disponíveis no sistema, o Estado pode ser obrigado a
fornecê-los, desde que comprovadas a imprescindibilidade do medicamento e
a incapacidade financeira do paciente e sua família para aquisição, e
que o Estado não pode ser obrigado a fornecer fármacos não registrados
na agência reguladora.
RE 566471
No caso do RE 566471, o Estado do Rio Grande do Norte se recusou a
fornecer medicamento – citrato de sildenafila – para uma senhora idosa e
carente, alegando que o alto custo e a ausência de previsão no programa
estatal de dispensação de medicamentos seriam motivos suficientes para
recusa. A idosa acionou a Justiça para pleitear que o estado fosse
obrigado a fornecer o fármaco. A sentença de primeiro grau determinou a
obrigação do fornecimento, decisão que foi confirmada pelo Tribunal de
Justiça estadual.
Autor do recurso contra a decisão do TJ-RN, o procurador do Rio
Grande do Norte disse que é preciso dar a máxima efetividade ao
princípio da eficiência. Ele explicou que os medicamentos de alto custo
têm uma política pública definida pelo Ministério da Saúde, que
estabelece a relação de medicamentos a serem disponibilizados aos
usuários. Essa relação contempla vários fármacos, dividindo-os por
competências da União, de estados e de municípios. É essa divisão,
segundo o procurador, que não vem sendo respeitada. Assim, o cidadão que
precisa de um remédio que é de competência da União pode demandar o
município, que pode ser obrigado a fornecer o medicamento,
desorganizando as finanças do ente federado.
Falando como terceiro interessado no RE 566471, o procurador do Rio
Grande do Sul também se manifestou pelo provimento do recurso. Ele
sustentou que uma decisão do STF no sentido do desprovimento do recurso
pode inviabilizar o SUS. O mesmo posicionamento foi defendido pelo
representante do Colégio Nacional de Procuradores Gerais dos Estados e
do DF, para quem a preocupação no caso não se limita à esfera
financeira, envolvendo também questões como segurança e saúde pública.
Ambos defenderam a tese de que a atuação jurisdicional envolva apenas
medicamentos registrados na Anvisa.
A advogada-geral da União falou da importância do trabalho da Anvisa,
e salientou que decisões judiciais obrigando União e entes federados a
fornecerem medicamentos de alto custo ou fora da lista do SUS
desorganizam o sistema, uma vez que a distribuição de remédios deve ser
feita de forma responsável. Segundo ela, é preciso que o planejamento e a
organização do sistema sejam preservados, para que seja possível
atender a toda a coletividade.
A advogada que defende a autora da ação inicial, e que também falou
em nome da Associação Brasileira de Assistência a Mucoviscidose (fibrose
cística), pediu ao STF que seja definido que a Justiça deve apreciar
cada caso individualmente, não fechando as portas para pessoas que
nasceram com problemas de saúde e querem viver e carecem do auxílio
farmacológico. Ela fez críticas à Anvisa, alegando que a agência
reguladora não faz o registro de certos medicamentos para ter o álibi
para negar pedidos, dizendo que o fármaco é experimental, que faz mal ou
tem efeitos colaterais.
A Ordem dos Advogados do Brasil, a Defensoria Pública Geral da União e
a Defensoria Pública do Rio de Janeiro também se manifestaram em
Plenário, posicionando-se pelo desprovimento do RE 566471. De acordo com
o defensor fluminense, não há doença que possa ser excluída da
atividade do SUS, tampouco qualquer tratamento que possa ser recusado ao
cidadão carente.
Mínimo existencial
O ministro Marco Aurélio disse, em seu voto, que a saúde é um direito
de todos e dever do Estado, devendo ser garantido por políticas sociais
e econômicas. Ele frisou que o acesso à saúde é um bem vinculado à
dignidade do homem, e que o direito ao mínimo existencial é um direito
fundamental do cidadão, estando ligado a condições mínimas de dignidade.
Objeções de cunho administrativo não podem subsistir ante a
existência de violação ao mínimo existencial. Argumentos genéricos não
possuem sentido prático em face de inequívoca transgressão a direitos
fundamentais. Não se trata de defender interferência judicial em
políticas públicas, mas de assentar a validade da atuação judicial
subsidiária em situações não alcançadas por essas políticas públicas,
afirmou o relator.
Para o ministro, a judicialização, nos casos em que verificada
transgressão ao mínimo existencial, é plenamente justificada,
independentemente da existência de reserva orçamentária. O relator
verificou que o STF, há muitos anos, vem assegurando acesso a
medicamentos para os mais necessitados.
O ministro apontou dois critérios para que o Judiciário possa
concretizar o direito à saúde: a imprescindibilidade do medicamento para
o paciente e a incapacidade financeira para sua aquisição, do
beneficiário do fármaco e de sua família, responsável solidária.
A tese apresentada pelo ministro Marco Aurélio diz que “o
reconhecimento do direito individual ao fornecimento pelo Estado de
medicamento de alto custo não incluído em política nacional de
medicamentos ou em programa de medicamentos de dispensação em caráter
excepcional, depende da comprovação da imprescindibilidade, adequação e
necessidade, e da impossibilidade de substituição do fármaco e da
incapacidade financeira do enfermo e dos membros da família solidária,
respeitadas as disposições sobre alimentos dos artigos 1.694 a 1.710 do
Código Civil.”
RE 657718
No caso do RE 657718, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou o
pedido da autora da ação, que precisava do medicamento cloridrato de
cinacalcete, sem registro na Anvisa à época do ajuizamento da ação. O
tribunal estadual entendeu que, apesar de o direito à saúde estar
previsto nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal, não se pode
obrigar o Estado a fornecer medicamento sem registro na Anvisa, sob pena
de vir a praticar autêntico descaminho. O TJ ressaltou a inexistência
de direito absoluto e, tendo em vista a prevalência do interesse
coletivo, bem como dos princípios do artigo 37 da CF, “a competência do
administrador público para gerir de maneira proba e razoável os recursos
disponíveis”.
O defensor público-geral federal, falando em nome da autora da ação e
do recurso dirigido ao STF, falou sobre a demora da Anvisa para
concluir o registro de remédios novos (mais de 600 dias) e genéricos
(mais de mil dias). Ele salientou que a saúde do doente não pode
esperar, não pode se curvar aos trâmites da administração pública. Ele
pediu que o STF defina tese no sentido de que a análise quanto à
prescrição e custeio de remédios pelo Estado sejam feitos caso a caso,
sem que possa ser negado o pedido apenas por falta de registro da
agência reguladora.
Já o procurador de Minas Gerais salientou a importância do registro
de medicamentos na Anvisa. Esse registro, segundo ele, não trata de mero
capricho burocrático, e a demora se dá porque é preciso comprovar a
segurança, a eficácia e a qualidade do fármaco. Ele disse entender que
não se deve fornecer medicamento sem registro, e lembrou que sem essa
chancela o gestor poderia até ser responsabilizado criminalmente. Ele
revelou, ainda, que o código de ética dos médicos prevê que nenhum
profissional pode oferecer medicamento não registrado nos órgãos
competentes.
Consenso científico
Nesse caso, o ministro Marco Aurélio lembrou que o artigo 12 da Lei
6.360/1976 diz que nenhum medicamento pode ser industrializado,
comercializado ou entregue ao consumo sem registro no Ministério da
Saúde. Para o relator, juízes e tribunais não podem colocar cidadãos em
risco determinando o fornecimento de medicamentos quando não
haja consenso científico, revelado mediante registro no órgão
competente, conforme exigido no diploma legal.
Casos concretos
O relator salientou que, nos dois recursos em julgamento, os casos
concretos não estavam mais em análise, uma vez que no primeiro processo o
medicamento foi incluído na lista de remédios disponíveis pelo SUS e,
no outro caso, o fármaco já foi registrado pela Anvisa. Mas como os
processos tiveram repercussão geral reconhecida, o ministro frisou que o
interesse coletivo se sobrepunha ao individual no sentido de ver a
controvérsia analisada pelo Supremo.
Leia a íntegra do voto do relator:
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Voto do relator no RE 566471
-
Voto do relator no RE 657718
MB/FB
Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=325411